estás sozinha

o silêncio é uma pedra
arremessada ao vazio da nudez em fuga
e por que chora?

por que chora este silêncio quando eu queria que as paredes cantassem?
pudor pranto prece
e eu sem deixar de ouvir

𝒆𝒔𝒕á𝒔 𝒔𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒂 parte de um silêncio antigo. Em Portugal, antes da despenalização da interrupção voluntária da gravidez [IVG] — que aconteceu apenas em 2007, após a realização de um referendo —, mulheres abortavam em segredo, medo e dor.

Essas histórias escondidas — esses corpos que, em agonia, sangraram em espaços improvisados, como salas, casas de banho, quintais —, usando objetos domésticos em desespero pela sua autodeterminação, são evocadas na instalação. Mas 𝒆𝒔𝒕á𝒔 𝒔𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒂 não é apenas memória, é também denúncia.

Apesar da lei, têm surgido retrocessos que põem em causa o acesso seguro à IVG. Desde logo, a objeção de consciência, a escassez de respostas nos territórios do interior e periféricos de Portugal e ainda as recentes tentativas de incluir na lei práticas absolutamente persecutórias perante pessoas grávidas que decidem interromper a gravidez. Estes fatores, além da estigmatização, contribuem para o isolamento político e social de quem escolhe interromper a gravidez.

𝒆𝒔𝒕á𝒔 𝒔𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒂 e esta obra expõe essa solidão. Não só pelo ato em si, mas pela falta de respostas, de empatia, por falta de vozes que se unam, sem vergonha ou medo, à causa pelo direito ao aborto seguro. 

Ao criar 𝒆𝒔𝒕á𝒔 𝒔𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒂, foi construído um biombo, objeto que serve para esconder. Impossível não lembrar Teresa Torga, mulher que inspirou o refrão da música de Zeca Afonso, 𝒎𝒖𝒍𝒉𝒆𝒓 𝒏𝒂 𝒅𝒆𝒎𝒐𝒄𝒓𝒂𝒄𝒊𝒂 𝒏ã𝒐 é 𝒃𝒊𝒐𝒎𝒃𝒐 𝒅𝒆 𝒔𝒂𝒍𝒂. Teresa nada tem que ver com a causa do aborto seguro, que se saiba. Mas tem que ver com um corpo exposto e julgado.

Além do biombo, foi criada uma peça que une e suspende agulhas de tricô através de fios de lã.

Num tempo em que os direitos conquistados pelas mulheres são postos em causa — e onde ainda, em muitos lugares do mundo, as mulheres não têm o direito à IVG assegurado —, esta instalação reclama o corpo como território de autonomia. Evoca o interior — geográfico e emocional — como lugar político de resistência.

Ainda hoje, a IVG é crime; ainda hoje, mulheres são condenadas por abortar; ainda hoje, mulheres se escondem, porque há vergonha; ainda hoje, são levadas a justificar-se sobre escolhas que são apenas suas.

𝒆𝒔𝒕á𝒔 𝒔𝒐𝒛𝒊𝒏𝒉𝒂 expõe objetos domésticos usados em abortos clandestinos. Não é decoração, mas lugar de denúncia e resistência::re-existência para nos lembrar que todos os dias são dias de reivindicar a nossa autodeterminação e as nossas liberdades. Proibir o aborto não o suprime, antes coloca a saúde e a vida das mulheres e pessoas gestantes em risco.


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